Isolado

Andrea Santolaya

01 Outubro | 16 Janeiro, 2021

Obras

Press release

Uma Realidade Verdadeira

A primeira surpresa vem-nos do facto de a fotógrafa Andrea Santolaya não se ter deixado tentar pelas belezas azuis de céu e mar, nem pelos verdes absolutos da terra. Nos Açores, tudo resplandece e nos encanta: as verdes paisagens costeiras e litorais, as montanhas e as brumas, os bosques de incenso e criptoméria, estradas e caminhos que nos levam consigo, as mais belas lagoas do mundo e as suas lendas de amores contrariados. A outra surpresa é a sua arte de ver – um olhar a preto e branco e com a finura penetrante da vida, das pessoas e das suas artes e ofícios quotidianos. Sinal de que pode haver equívocos e até falsidades nas mil cores das ilhas. Olhadas na sua ilusão colorida, a beleza delas pode afinal ser a madrasta dos seus habitantes, quantas vezes ignorados por quem os visita.

É no preto e no branco que reside a verdade perfeita dos pequenos e grandes mundos. Pomos os olhos nos rostos e nas mãos que trabalham, e eis a razão da existência das pessoas no lugar onde vivem. E então cremos tanto na sua condição açoriana como na universalidade do género humano. Nem todos os povos se podem orgulhar das baleias que cruzam os seus mares quentes e tranquilos, passando tão perto das casas e da terra à vista; nem dos barcos que entram e saem da ilha que os abriga, indo até à linha do horizonte em busca dos mundos que estão para além do que nos pertence. A vida são os rostos duros dos pescadores em terra, o olhar pensativo e sonhador das meninas do mar, marinheiras, talvez filhas e netas dos donos dos barcos atracados ao cais, à chuva. E há mulheres que cantam à hora da missa, e homens peregrinos à porta das igrejas – os ditos “romeiros” que, durante a Quaresma, a pé, numa semana dão a volta à ilha rezando, pedindo o perdão dos pecados. E eis a imagem do homem deitado no banco do Campo de São Francisco, onde se matou com dois tiros na boca o maior poeta dos Açores, Antero de Quental. O doente de angústia e metafísica que não encontrou o sentido da vida e do mundo. Não sei se o homem da foto dorme sob o signo da âncora e da esperança, ou se está ele próprio em agonia na morte do outro, o poeta da transcendência e da luz perpétua. Do que eu tenho a certeza é do profano e do sagrado, do espírito e da fé, os antídotos da contingência e da nossa efemeridade sobre a terra. É o que me dizem os olhos, a sensibilidade e a arte fotográfica de Andrea Santolaya – ao trazer até nós a realidade verdadeira da gente dos Açores.

João de Melo