Animalia, Vegetalia

Urbano

09 Março | 27 Maio, 2017

Obras

Press release

“O imaginário e o seu rasto são coisas distintas; não fosse a misteriosa afinidade que os une nas entrelinhas da memória, as esforçadas legendas da História dele pouco diriam. O nexo remete-nos para o passado, repositório de todas as imagens, entre elas as que emprestam ao pintor a aura mágica que reveste a figura do alquimista. Este crê que a terra, solo fértil do conhecimento que a natureza expressa, guarda a essência do tempo, e aquele crê que esta essência pode de algum modo ser evocada na conjugação dos pigmentos que contêm os sedimentos de todo o reminiscente. A arte de tornar visível o que de outro modo permaneceria oculto, investindo formas de sentidos que de outro modo seriam inapreensíveis, augura o poder de antever o porvir. O visionário pintor, presença viva no nosso imaginário, partilha com o de hoje o reino onde enraízam o ofício, nutrindo-o de uma espécie de MINERALIA poética.

Esta é a poética que acolhe o rasto sugestivamente fossilizado como prova da afinidade originária entre o mundo das coisas e o mundo da imaginação. Ao teorizar sobre as cores, um poeta entendeu que a representação desta afinidade era objecto de regra e designou-a lei da metamorfose. O poeta imaginou um pintor com um aquário com um peixe vermelho com um nó preto a alastrar a partir de dentro para surpresa do pintor que assistia sem saber o que fazer ao quadro que interrompeu na imaginação do poeta. Solidário, o pintor pintou de amarelo a metáfora do poeta. O enunciado faz a síntese do dilema de um pintor – outro e ainda o mesmo – que, face ao dado que se impõe examinar, responde que a natureza da sua fidelidade nada deve à arqueometria que disseca o sedimento até à molécula desconhecendo o preto que forma a insídia do real de que fala o poeta, ou o de intencionalidade que se aloja no âmago da criação.

Deste nó e da sua história retira o artista a matriz exibida na segunda de duas salas que abrem o circuito de História Natural do Convento de Santo André – Museu Carlos Machado. As nuances sensíveis desta primeira prova surgem desdobradas nos trabalhos reunidos em ANIMALIA-VEGETALIA. Presentifica-se a matéria do tempo que ora o traço a pastel evoca e ficciona sobre um suporte aguado de sedimentos, ora a incisão revela escavando as formas que a memória gravou. Surpreende-nos o pretérito mais que perfeito: quando a forma apareceu já a matéria chegara para a receber. O artista convoca, assumindo a culpa da arte por essa sua mania de brincar com assuntos sérios reservando-se o direito de guardar em segredo as cores originais de todas as coisas. Oportunamente, como se verifica, conjuga-as a belo prazer, isto é, sem outra pretensão de ilusão que não a de nos fazer crer que todas as imagens do passado e do futuro estão, de algum modo, ainda e já, vivas em nós, e que a arte não é senão o reflexo deste mistério metamorfoseado na imaginação de um poeta.”