"
A existência intersticial da imagem entre o visível e o invisível, a materialidade e a imaterialidade, é o território de investigação de Vasco Barata. Na sua obra o invisível não é o lugar de ausência imagética, apenas um hiato simbólico que autoriza a subjectividade de significação visual e liberta o espectador da teia – ideológica, social, política - que condiciona os modos de ver. A imagem como aparição, entidade inexplicável que desafia o espaço e o tempo da sua existência, é o moto de Spooky action at a distance, a sua primeira exposição na galeria Fonseca Macedo.
“Spooky action at a distance” formulação de Albert Einstein para descrever o modo como pequenas partículas de luz e matéria, mesmo que fisicamente distantes, podem interagir e produzir efeitos quânticos, permite uma aproximação ao eixo programático do artista: uma reflexão sobre a capacidade da imagem – de todas as imagens - gerar efeitos concretos sobre o corpo do espectador, independentemente da presença (ou ausência) de dispositivos de mediação. Nesta exposição, Vasco Barata ultrapassa o paradigma do atlas – tão presente na produção cartográfica como na criação artística - enquanto sistema de organização (hierarquização?) do visual, substituindo-o produtivamente por um modelo arquipelágico em que cada imagem se apresenta enquanto fragmento, completado, contudo, por uma capacidade de ver que supera a suficiência fisiológica do olhar. É esta capacidade de ver que preenche vazios e anula distâncias.
O arquipélago enquanto configuração territorial é transformado pelo artista em metáfora visual para reflectir sobre proximidade e distância na imagética contemporânea. As distintas obras apresentadas mostram uma diversidade iconográfica que remete para a paisagem, a fauna e a flora, delatando a falácia idílica do (pretensamente) natural e também da imaginário (sobre o) insular. Neste sentido, o artista apresenta simultaneamente imagens reconhecíveis e composições informes, desprovidas de verosimilhança, revelando a distância entre aquilo que se vê e aquilo que se sabe. As imagens, tanto as de descodificação imediata, como as abstractas, são apresentadas enquanto construções culturalmente condicionadas em que o visual produz efeitos ainda que, muitas vezes, autónomos de significação linguística.
Os diferentes suportes (fotografia, desenho, escultura) e estratégias plásticas de que o artista faz uso não constituem reflexão sobre o estatuto do médium (ou diversidade mediática) na prática artística contemporânea, mas concorrem no seu conjunto para um afirmar da imagem – a sua criação, projecção, aparição – como inevitabilidade. Desta forma, o trabalho de Vasco Barata permite pensar a cultura visual contemporânea à luz do impacto da mediação tecnológica, da complexidade fenomenológica e cultural do olhar, e da criação artística como ecologia de saberes que revela o mundo através da diversidade escópica. Cada obra é, assim, potência alquímica, processo mental, manifestação matérica na qual ecoa sempre uma impossibilidade de não ver.
Ana Cristina Cachola
Setembro de 2016
"