A exposição 3 Máquinas apresenta um conjunto de trabalhos realizados na Alemanha e em Portugal, entre 2019 e 2021. Partindo de uma noção de “Máquina”, numa aceção literal e simbólica, exibe-se um corpo de trabalho distribuído por desenho, pintura e escultura. Propõe-se simultaneamente a reconstrução de um aparelho concebido no século XIV, a interpretação de um conjunto de ícones renascentistas e a condição do objeto “pintura” enquanto sistema e dispositivo.
Nestes desenhos e esculturas descrevem-se máquinas, agrupadas pela denominação de “Nuvola”, inventadas no séc. XIV comprovando-se rara a documentação gráfica, representativa da sua existência e especificidade, nos dias de hoje1. Este Andor mecânico, utilizado em cerimónias religiosas e procissões, pretendia retratar uma situação de ascensão aos céus, no caso do exemplo utilizado em procissões, ou uma situação de resolução performática de estilo Deus Ex-Machina, no caso do modelo usado no teatro. Conclui-se o interesse nestes aparelhos pelo seu carácter hipotético, pela sua morfologia aproximada à “Nuvem”, e pelo seu impacto semiótico.
As interpretações de obras renascentistas sugeridas, Pinturas Más 79, 82, 83, 84, 86 e 87, que representam igualmente situações ou cenas ascéticas, pretendem resumir-se como pontos de situação. Estes ícones estão, então, não só a servir a sua função estética, como também a representar a própria documentação. A consideração pelas referências utilizadas – obras de Andrea Mantegna e Lucas Cranach – prende-se com a sua natureza escultórica e cenográfica que indicia e pressupõe uma permuta do significante pelo significado – a representação de um objeto que funcionaria de uma certa maneira passa então a expor simbolicamente uma situação específica.
As restantes telas, Pinturas Más 75, 76, 80, 81 e 85, marcadas por uma maior dimensão e pelo seu local de realização, vão, por fim, determinar um enquadramento. A série de pinturas realizadas em Leipzig e Berlim surge da imposição de pensar questões de espaço, contexto e forma. A seleção e transferência, posteriormente rasurada, de uma fotografia tirada com o telemóvel da Berliner Fernsehturm (ou Alex Tower), em Berlim, contrapõe a posição mística tida nos desenhos, esculturas e interpretações de obras renascentistas, bem como sugere uma relação virtual entre o local da sua exposição e o local de origem. A imprimatura2avermelhada visível – tradicionalmente empregue na figuração -, bem como a composição sistemática, que confere um sentido de repetição, enfatizam a retórica diagramática da sua construção – onde são escrutinadas decisões e particularizadas eventualidades.
1 O mecanismo é referenciado primeiramente num texto de Giorgio Vasari (1511-1574), sendo creditado a sua invenção a Cecca(1446–1488), em “Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori e architettori”. Um pequeno desenho mostrando detalhes do funcionamento do aparelho é apresentado no diário gráfico de Buonaccorso Ghiberti (1451-1516), “Zibaldone”, presente na Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze. O mecanismo é, mais tarde, desenvolvido no trabalho de Pierre Francastel (1900-1970), “La réalité figurative: éléments structurels de sociologie de l’art”, e Hubert Damisch (1928), “Theory of Cloud”.
2 De um modo geral Imprimatura refere-se, no âmbito da pintura, a uma primeira camada de cor, aplicada usualmente de uma forma muito líquida, com o intuito de auxiliar a construção da imagem.
João Miguel Ramos