da ambiguidade da fuga
O trabalho de Catarina Branco tem uma forte ligação às suas raízes açorianas, não apenas pelo facto de a artista recuperar tradições e práticas vernaculares da sua cultura, como também pela forma como integra no seu trabalho modos e processos que herdou e aprendeu no contexto familiar. Deste modo, há sempre uma ligação afectiva e auto-referencial que é expressa pelo seu modo de fazer, em que a manufactura tem uma presença central na execução das obras, nos sinais que estas indiciam sobre a memória, o legado histórico e o imaginário da diáspora.
A exposição Land (Escape) revela uma nova fase do seu trabalho, constituindo-se como uma série de desenhos escultóricos abstractos. Estas obras são a expressão sintética do trabalho que lhe conhecemos, dado que as linhas negras e ondulantes replicam a mesma forma, num acto, modulando o objecto final. São elementos que se sobrepõem, igualmente recortados a partir de uma matriz que vai sendo esculpida com uma tesoura e da qual não resta qualquer informação ou sequer um exemplar, porque essa matriz é como a raiz de um sentimento, que quando emerge na esfera emocional é a exaltação do afecto e do sentimento amoroso projectada no mundo, universal e assim sujeita à relação com o Outro. A sua raiz permanece reservada, por um lado na intimidade do sujeito, e por outro lado, no caso da sua obra, num outro espaço onde a intimidade e a auto-reflexão que o trabalho exige conhecem apenas um território, um lugar privilegiado que é o seu atelier.
O título da exposição, em língua inglesa, aparece-nos como um binómio que expressa de forma ambígua uma ideia territorial (“Land”), ou uma possível paisagem, numa tradução mais literal, a que se contrapõe uma outra ideia, uma vontade de fuga e de liberdade: (“Escape”). Neste jogo linguístico, Catarina Branco confronta-nos com esse paradoxo dos sentimentos, em que o seu campo e a sua possibilidade de fuga residem na tensão entre a intimidade e alteridade. De certa forma, como um Algar (aqui em negro sobre fundo branco) que nos lança um apelo para nele mergulharmos e simultaneamente nos inibe de avançar para o seu interior, temendo a perda mas ansiando por nos perdermos.
Os desenhos escultóricos são assim a manifestação desse vínculo emocional, que não fica refém da solução formal e cumulativa que são estes desenhos/esculturas. Pelo contrário, são figuras que tendem a erguer-se e flutuar como sentimentos que se libertam para regressarem a si mesmos.
João Silvério
Outubro 2017