O Monte dos Vendavais

Daniel Blaufuks

01 Fevereiro | 17 Março, 2018

Obras

Press release

O MONTE DOS VENDAVAIS

Os trabalhos desta exposição foram realizados em duas visitas à ilha de São Miguel, ligadas à minha residência no Pico do Refúgio. Em ambos os reencontros foi mais uma vez a paisagem, a vegetação por vezes quase tropical, o mar em volta, que me impressionaram, e me fizeram respirar de uma forma diferente do que no continente.

Esta natureza está presente, apesar de talvez não parecer, nos três (ou serão quatro?) núcleos de trabalhos apresentados. Na verdade, se pensarmos bem, toda a nossa existência como seres humanos é uma constante tentativa de co-habitação com esta mesma natureza num único planeta. Aproveitamo-nos avidamente dela, abusamos dela, lutamos constantemente contra ela, destruindo-a, encurralando-a, enjaulando-a em reservas, parques, jardins, canteiros. À medida que avançamos ela diminui, à medida que aumentamos os nossos números, a natureza perde implacavelmente terreno. Mas a cada doença, a cada epidemia, a cada tempestade, a cada guerra por falta de recursos ou espaço, a cada morte, ela dá a volta por cima e nós somos incorporados nessa mesma terra de onde supostamente viemos. Viver é ter consciência disso e se nos quisermos aproximar do pensamento de Espinoza, poderemos encarar a Natureza como o único verdadeiro D’us. Deveríamos lembrar-nos disso cada vez que cortamos uma árvore ou deixamos que uma estrada se construa em nome de algo a que nos habituámos chamar de progresso, como se essa denominação fosse só por si uma mais valia e ainda se escrevesse com maiúscula.

Assim temos um hotel abandonado pelos investidores em que a vegetação lentamente (ou rapidamente porque este tempo não é o do ser humano) vai reganhando o seu espaço, consolidando a sua supremacia. Não duvidamos que um dia o planeta terá este aspecto e é dessa noção mais ou menos inconsciente que nasce provavelmente o fascínio gerado por esta recente ruína nas pessoas que ali param diariamente e a exploram, como se de uma antiguidade romana se tratasse. Antevemos aqui, como num parque de diversões, um mundo pós-guerra, pós-apocalíptico, pós-nós. Ao fotografar esse abandono, esse musgo, partilho, sem dúvida, desse fascínio, como uma criança que olha um filme de terror com um olho meio-aberto e outro meio fechado.

Uma outra série de pequenos formatos percorre a casa-estúdio do infelizmente pouco recordado escultor Canto da Maia, que a apelidou, em óbvia referência, de Monte dos Vendavais. Um nome que fica igualmente bem, penso, como título desta exposição, porque sempre que ponho os pés nesta ilha, há um dia ou dois de vendaval ou mesmo de furacão. Também esta casa foi abandonada à sua solidão durante muitos anos e também aqui a natureza foi entrando levemente, não passo a passo, mas teia a teia. raiz a raiz, ramo a ramo. Entretanto a casa, contrariando o seu destino óbvio de casa-museu, foi vendida como qualquer outro imóvel e encontra-se actualmente em fase de recuperação para habitação particular. A natureza foi travada, mas o que são alguns anos ou décadas nesta luta infindável? Sabemos já quem sairá vencedor.

A estas fotografias juntei três apontamentos mais pessoais, escritos à mão, relacionando-me mais directamente com a ilha à minha volta e com o mar à sua volta. São apenas fragmentos de algo maior. E, por último ou como primeiro momento da exposição, uma imagem de uma manhã de luz e chuva em abril, no Pico do Refúgio que me acolheu, com a claridade atravessando o copo de água, num daqueles momentos de estúpida felicidade em que simplesmente apanhamos maracujás e nêsperas da árvore para as comer, em completa união com a natureza que as nos oferece. Mas antes, fotografamos o conjunto e fingimos que eternizamos um pedaço de água e umas peças de fruta num cartão de memória e num bocado de papel. E é nesses enganos que vivemos, porventura felizes, até a Natureza nos vir buscar. Mas antes que isso aconteça, quero voltar, uma vez mais, a esta ilha.

Daniel Blaufuks, Lisboa, Janeiro, 2018