Nesta exposição, intitulada Records, Manuela Marques apresenta trabalhos fotográficos realizados no último ano na ilha de São Miguel. São imagens que indagam modos de olhar e experienciar a natureza única e peculiar de um território fortemente animado por uma conflagração de tempos e movimentos – geológicos e meteorológicos, emocionais e estéticos. A matéria e as formas, as energias, os fluxos e as forças que se manifestam sob e sobre esta terra, marcam os modos de imersão da artista numa realidade geográfica, que tem tanto de físico e material, como de poético e cósmico.
Comecemos pelo que vem do céu, pela gravidade. Phénomènes é um díptico de duas imagens de um céu nocturno com nuvens. Ao apresentá-las na vertical (ou seja, rodando 90°) as fotografias perdem a sua condição de paisagem para configurarem um fluxo, uma corrente de ar, vapor e luz. São planos que combinam o claro e o escuro, a ascensão e a queda, que justapõem figuração e abstracção, com efeito, um tipo de ambiguidade recorrente no imaginário plástico de Manuela Marques. De seguida, podemos observar as três fotografias de bombas vulcânicas, fragmentos de lava que foram solidificando e adquirindo formas (frequentemente aerodinâmicas) durante o voo. Além da sua consistência singular, determinada pela fluidez do magma que a constitui, estas bombassugerem esculturas aleatórias, compostas por velocidade, ar e matéria lávica.
Por sua vez, as imagens da série Recordsdão a ver um olhar aproximado sobre detalhes de documentos em papel, do observatório Afonso Chaves de Ponta Delgada, que registaram as erupções vulcânicas e os movimentos sísmicos na Ponta dos Capelinhos em 1957 e 1958. Ao jogar com a nitidez e a desfocagem, com a tonalidade (melancólica) dos papéis, as marcações e os desenhos, a artista constitui territórios plenos de movimentos, sensibilidades e humores. Com estes trabalhos Manuela Marques prossegue e aprofunda linhas de trabalho coerentes com uma prática visual que privilegia as possibilidades de articulação entre as competências descritivas e as potencialidades poéticas e especulativas das imagens. É pois fundamental vermos o que as imagens nos mostram; porém, tão ou mais importante, é perceber como as imagens nos olham e nos interpelam, tal como nos relembra a imagem Lunar.
Sérgio Mah